Felipe Santinato; Roberto Santinato; José Braz Matiello
Introdução:
Diante de alterações climáticas que estamos vivenciando nos últimos anos torna-se necessário entende-las para melhor fazer as recomendações na cafeicultura principalmente com relação a irrigação e proteção de floradas.
Os projetos de irrigação são baseados em dados climatológicos antigos e muitas vezes não tomam como base os anos críticos de menor quantidade de chuvas com veranicos cada vez mais pronunciados nos meses mais essenciais ao cafeeiro de acordo com sua fenologia. Fato este leva a ocorrência de irrigações insuficientes e certamente prejuízos ao cafeicultor como tem sido percebido atualmente nas lavouras que seguem essas metodologias.
Ao cafeeiro irrigado deve-se fornecer agua o suficiente para a reposição de sua perda potencial nada a mais e nada a menos do que isto principalmente em que a água é mais essencial como floração expansão e granação de frutos.
As temperaturas médias também tem se elevado causando prejuízos mas em determinadas situações a temperatura média não ultrapassa o limiar adequado para o cafeeiro (18 a 22ºC). Porém nada é discutido com relação ao aumento das temperaturas máximas principalmente nos meses em que o cafeeiro encontra-se no período de floração. Visto que as flores são órgãos temporários sensíveis ao calor é importante entendermos esta questão pois tem levado ao abortamento acentuado e consequentemente perdas de produtividade.
O intuito dessa série de pequenas publicações é fazer recomendações gerais aos cafeicultores irrigantes de várias localidades alertando-os para que tomem as devidas soluções em seu sistema e também para os cafeicultores que pleiteiam iniciar a cafeicultura irrigada. Vale ressaltar que os dados climáticos utilizados são os oficiais do INPE porém não abrangem a área total do município requerendo cálculos de ajustes para cada Fazenda.
Material e métodos:
Dados obtidos na estação oficial do INPE à 940 m de altitude nas coordenadas -185166 Latitude e -464333 Longitude Patos de Minas MG.
Vale ressaltar que a cada 100 m a menos de altitude pode-se considerar o aumento médio da temperatura média de 07ºC. Ou seja caso sua Fazenda esteja situada em Patos de Minas MG porém com uma altitude de 840 m (100 m a menos que a estação do INPE) os dados de temperatura são 07ºC superiores.
O material foi preparado para atender 28 municípios brasileiros presentes nos estados de São Paulo Paraná Minas Gerais Bahia e Goiás. Usou-se dados oficiais do INPE obtidos em suas estações. Devido a isto tornou-se necessário fazer cálculos extras pois a altitude das propriedades pode ser diferente da altitude em que as estações estavam localizadas (geralmente próximas as cidades). Sendo assim a Tabela a seguir mostra a altitude original de cada estação do INPE e a altitude real utilizada para os cálculos sendo ela a altitude média da maioria das terras aptas para café de cada região.
Resultados:
Primeiramente vamos a algumas premissas de climatologia para a cafeicultura com base na obra de Camargo A.P (várias citações):
Tabela 1. Intervalos de temperatura média anual (ºC) e as condições de aptidão térmica para cafeeiros arábica e robusta em cultivo convencional brasileiro sem irrigação. Adaptado de Alègre (1959); Camargo (1977); Coste (1989) e Carr (2001).
Condição de aptidão | Temperatura (ºC) | |
Arábica | Robusta | |
Inapto por frio | <17 | <20 |
Marginal por frio | 17-18 | 20-22 |
Apta | 18-22 | 22-26 |
Marginal por calor | 22-23 | >27 |
Inapta por calor | >23 | - |
*Extraído do livro Agrometeorologia de cafezais no Brasil (Pereira; Camargo; Camargo 2008).
**Déficits hídricos de 150 mm são restritivos para o cafeeiro.
***Temperaturas elevadas (>23ºC) causam abortamento de flores “estrelinhas” e temperaturas baixas (<17ºC) não há período de repouso necessário para indução de gemas florais (não completa o ciclo fenológico). A planta vegeta e produz pouco. O pouco que produz tem ciclo extremamente tardio e coincide com a florada do ano seguinte (inconveniente).
A insolação aumentou entre os dois ciclos estudados de 1953 para 205 com destaque para os meses de agosto setembro outubro novembro e fevereiro. Nos meses de agosto a outubro comumente coincidem com os meses das floradas principais do cafeeiro. O mês de fevereiro coincide com a fase de expansão/granação. O aumento da insolação nessas fases do cafeeiro podem refletir negativamente na produtividade com abortamento de flores na floração e redução da peneira durante a expansão e chochamento dos frutos na granação.
A quantidade total de chuvas entre os dois ciclos avaliados foi semelhante (1.4104 mm e 1.4265 mm) porém ocorreram alterações em sua distribuição ao longo do ano. No ciclo mais recente ocorreu a redução da quantidade de chuvas nos meses de agosto setembro outubro e novembro sendo eles meses fundamentais para o período de floração e início de expansão de chumbinhos. Em outubro por exemplo quando antigamente se chovia 148 mm hoje em dia chove somente 87 mm. Por outro lado ocorreu o aumento na quantidade de chuvas nos meses de março abril maio e junho chuva muitas vezes não necessária pois era característico da região um período seco no inverno coincidindo com a colheita e o repouso vegetativo do cafeeiro.
Uma observação importante se faz quando analisa-se a quantidade de chuva máxima obtida em cada mês. Historicamente com os dados do último ciclo em Patos de Minas MG as pluviosidades máximas nos meses de agosto setembro e outubro foram de somente 289 mm; 838 mm e 1348 mm. No ciclo anterior já foram registradas chuvas máximas de 899 mm em agosto; 2432 mm em setembro e 4248 mm em outubro.
As temperaturas médias tiveram um acréscimo de 02ºC entre o ciclo antigo e o novo valor pouco considerável a não ser pelos meses de abril e outubro onde as temperaturas elevaram-se 1ºC e 09ºC respectivamente. Porém ao analisarmos as temperaturas máximas notamos aumentos em praticamente todos os meses do ano exceto nos meses de junho e agosto. Essas maiores temperaturas máximas notadamente nos meses de floração podem contribuir para perdas de produtividade acentuadas.
A redução da pluviosidade e os aumentos de temperatura impactaram no balanço hídrico do cafeeiro. Principalmente a redução das chuvas no mês de outubro e a elevação das temperaturas máximas em quase todos os meses afetando principalmente a reposição hídrica no período de floração.
Tabela 1. Insolação precipitação e umidade relativa do ar nos períodos de 1980 a 2008 e 2008 a 2019 subdividida nos doze meses de cada ano bem como suas respectivas médias e acúmulo anual Patos de Minas MG.
Períodos | Insolação | Precipitação | Umidade | |||
mm | % | |||||
1980 a 2008 | 2008 a 2019 | 1980 a 2008 | 2008 a 2019 | 1980 a 2008 | 2008 a 2019 | |
Jan. | 160.6 | 168.4 | 243.0 | 242.0 | 79.7 | 75.0 |
Fev. | 175.9 | 197.5 | 167.4 | 162.9 | 77.2 | 72.8 |
Mar. | 191.7 | 157.2 | 154.7 | 207.6 | 76.9 | 77.8 |
Abr. | 214.0 | 202.5 | 48.6 | 80.6 | 73.2 | 73.7 |
Mai. | 239.7 | 227.6 | 22.5 | 41.8 | 68.9 | 70.1 |
Jun. | 256.5 | 227.1 | 7.6 | 22.7 | 56.5 | 67.4 |
Jul. | 235.0 | 257.3 | 10.8 | 9.3 | 64.2 | 57.6 |
Ago. | 227.3 | 279.6 | 26.4 | 5.3 | 53.8 | 49.3 |
Set. | 191.6 | 229.0 | 54.5 | 40.3 | 56.5 | 49.3 |
Out. | 165.1 | 198.8 | 148.0 | 87.0 | 68.6 | 59.9 |
Nov. | 145.6 | 165.6 | 242.4 | 216.3 | 70.5 | 74.6 |
Dez. | 140.1 | 149.6 | 284.6 | 310.6 | 81.2 | 78.2 |
Média | 195.3 | 205.0 | - | - | 68.9 | 67.1 |
Acúmulo anual | - | - | 1410.4 | 1426.5 | - | - |
*Dados oficiais do INPE.
Tabela 2. Temperaturas média mínima e máxima nos períodos de 1980 a 2008 e 2008 a 2019 subdividida nos doze meses de cada ano bem como suas respectivas médias anuais Patos de Minas MG.
Período | Temperatura (ºC) | |||||
Média | Mínima | Máxima | ||||
1980 a 2008 | 2008 a 2019 | 1980 a 2008 | 2008 a 2019 | 1980 a 2008 | 2008 a 2019 | |
Jan. | 23.6 | 23.8 | 18.5 | 18.3 | 28.6 | 29.2 |
Fev. | 23.6 | 23.9 | 18.4 | 18.1 | 28.9 | 29.8 |
Mar. | 23.3 | 23.6 | 17.9 | 18.1 | 28.7 | 29.0 |
Abr. | 21.7 | 22.7 | 15.7 | 16.8 | 27.7 | 28.5 |
Mai. | 20.3 | 20.7 | 13.9 | 14.5 | 26.7 | 26.9 |
Jun. | 20.5 | 19.8 | 13.6 | 13.4 | 27.4 | 26.3 |
Jul. | 19.7 | 19.8 | 13.0 | 12.8 | 26.3 | 26.7 |
Ago. | 22.1 | 21.2 | 15.2 | 13.8 | 29.0 | 28.6 |
Set. | 23.5 | 23.6 | 17.1 | 16.4 | 30.0 | 30.8 |
Out. | 23.5 | 24.4 | 18.1 | 18.1 | 29.0 | 30.8 |
Nov. | 23.4 | 23.6 | 18.5 | 18.2 | 28.3 | 28.9 |
Dez. | 23.4 | 23.6 | 18.6 | 18.4 | 28.2 | 28.9 |
Média | 22.4 | 22.6 | 16.5 | 16.4 | 28.2 | 28.7 |
*Dados oficiais do INPE.
Figura 1. Temperatura média nos períodos de 1980 a 2008 e 2008 a 2019 segmentada nos doze meses do ano Patos de Minas MG.
Figura 2. Temperatura máxima nos períodos de 1980 a 2008 e 2008 a 2019 segmentada nos doze meses do ano Patos de Minas MG.
Figura 3. Precipitação nos períodos de 1980 a 2008 e 2008 a 2019 segmentada nos doze meses do ano Patos de Minas MG.
Conclusões:
As florações na região de Patos de Minas vem ocorrendo mais tarde a partir de outubro dessa forma coincidem com períodos de temperatura mais elevada o que prejudica o pegamento floral. Detalhe para a temperatura máxima do meses de setembro e outubro 08ºC e 18 ºC respectivamente superiores ao período passado.
As temperaturas nos meses de verão foram maiores no período atual fato este que prejudica as fases de expansão e granação dos frutos que aliados com uma má irrigação acarretam em maior porcentagem de frutos com peneira baixa e chochos.
As precipitações de agosto setembro e outubro diminuíram em relação ao período passado ocorrendo um prolongamento no período de estiagem do ano. Ou seja houve redução da disponibilidade de água para as fases de floração e expansão de frutos (alta demanda hídrica) e aumento no déficit hídrico anual devido ao prolongamento do período seco.
Houve maior ocorrência de chuvas em abril em relação ao período passado (pouco interessantes para o cafeeiro visto que coincidem com a colheita de cultivares precoces e atrapalham a colheita).
Os cálculos de irrigação devem ser revistos para atender as exigências da planta nos períodos críticos baseando-se nos dados atuais e dados de períodos críticos. Estamos preparando um rico material a fim de nortear o manejo da irrigação para Patos de Minas MG e mais 27 municípios cafeeiros.
O aumento de danos às plantas em decorrência de escaldaduras acentuam a reposição de nitrogênio nas adubações visto que o mesmo é altamente exigido para a reconstrução de partes constituintes escaldadas além de tomada de medidas protetivas que reduzam os efeitos do excesso da exposição solar.
Obviamente existem lavouras mais bem preparadas para tais alterações climáticas não sendo influenciadas drasticamente quanto outras sendo elas: Lavouras mais velhas com maior auto-sombreamento próximas de matas em topos de morro em solos com maior capacidade de armazenamento de água com manejo adequado do mato ou ainda de cultivares mais tolerantes/resistentes a seca
Ass: Felipe