Dr. Felipe Santinato; Roberto Santinato; Victor Afonso Reis Gonçalves
Engenheiros Agrônomos da Santinato & Santinato Cafés
19-982447600; fpsantinato@hotmail.com; www.santinatocafes.com
Que o clima está mudando já sabemos lemos sentimos no dia a dia e também enxergamos nossos cafeeiros respondendo a tais mudanças. Apesar de ser uma planta originária de clima ameno em Jimma na Etiópia o cafeeiro é mestre em adaptabilidade para climas mais quentes e elevada exposição solar vide as produtividades que obtemos no Brasil muito superiores a dos sistemas de cultivo sombreados e de regiões de clima ameno porém dentro de certos limite. A pleno sol o crescimento é geralmente maior as folhas são menores os ramos (internódios) são menos compridos e o pegamento floral é brutalmente superior com favas repletas cafés. Porém essas alterações morfológicas têm sido vistas de forma diferente devido as atuais alterações climaticas com o cafeeiro realmente sofrendo pelo excesso de temperaturas notadamente com relação ao pegamento floral que tem constantemente abortado parcialmente ou em alguns casos havendo uma menor diferenciação das gemas no período indutivo.
Os primeiros sinais são os sintomas de escaldadura típicos e antes vistos somente nas regiões mais quentes ou ainda em regiões tradicionais porém em folhas que estavam escondidas e “mal acostumadas” e sempre mais intensas no lado do sol poente. Esses sintomas passaram a ser vistos com maior frequência e se tornaram comuns em muitas regiões cafeeiras quase que sempre em janeiro após a virada do ano em que costumeiramente ocorrem os veranicos cada vez mais pronunciados. Em janeiro de 2019 por exemplo constatei em mais de 20 propriedades em várias regiões.
Em outra época do ano já com os frutos mais desenvolvidos vem ocorrendo a passagem dos frutos no estágio verde para o seco sem que haja o estágio cereja. Isso era típico somente nas regiões extremamente quentes como Norte de Minas Bahia em altitudes inferiores a 600 m especialmente no Oeste bahiano com maior pressão em lavouras mais jovens mais expostas ao sol com menor autosombreamento. Este seria o sintoma em regiões realmente afetadas criticamente pelas condições climáticas adversas.
Da mesma forma ocorrendo também a perda de floradas tardias (aquelas indesejadas de final de ano que além de não vingarem naquele ano “queimam” o “cartucho” construído para a safra seguinte) com os chumbinhos já pretos com sintomas muitas vezes confundidos com phoma/ascochyta doença esta que necessita de temperaturas noturnas inferiores a 15/16ºC e umidade relativa elevada. Esse sintoma visto principalmente agora em novembro/dezembro 2019 e janeiro 2020 visto que em grande parte das regiões cafeeiras tivemos 3 e até 4 floradas ocorrendo o fato nos chumbinhos da última floração.
Mas sem dúvida o pior dos sintomas é de fato o abortamento floral com a má formação das flores desde os primórdios florais em decorrência das altas temperaturas na fase de floração fato este contribuinte de forma incisiva para a redução das produtividades.
Antes há algumas duas ou três décadas tínhamos o pleno sucesso da cafeicultura em áreas quentes como uma revolução de produtividade. Aproveitávamos as maiores temperaturas para obter os maiores crescimentos da planta formação de ramos novos nós entrenós e assim construir capacidades produtivas antes nunca vistas. E detalhe desde as primeiras colheitas colhendo em áreas irrigadas sem dificuldade produtividades de 80-85 sacas/ha. Basta olhas nos Anais do Congresso Brasileiro de Pesquisas Cafeeiras os resultados dos trabalhos de 1990 a 2000 destas localidades e comparar com o das localidades tradicionais independentemente do aumento do estande de plantas de 3 mil para 5 mil plantas por hectare.
As produtividades obtidas naquela época nessas regiões mais quentes são praticamente as mesmas atualmente com pouco incremento em relação aos dois períodos. Hoje com aumento excessivo das temperaturas notadamente nos períodos mais sensíveis do cafeeiro estaríamos na curva descendente deste aumento produtivo? As regiões tradicionais naquela época que produziam cerca de 45% a menos hoje dependendo da tecnologia utilizada apresentam produtividades próximas. Aproveitando para fazer um parêntese de que naquela época os custos das lavouras altamente produtivas eram muito menores do que o custo das lavouras produtivas da época atual. Hoje há uma dependência muito maior de insumos e novas tecnologias provavelmente devido aos efeitos negativos das intempéries.
Precisamos conhecer estratégias a fim de reduzir os efeitos danosos desses aumentos de temperatura afim de manter uma estabilidade produtiva maior nas áreas quentes e como exemplo trazer tais informações para as áreas tradicionais também. Existem experiências de vários sentidos sendo feitas no Brasil.
Diante disto afim de realmente validar se é uma informação verdadeira decidi fazer um comparativo entre épocas quanto a temperatura insolação e pluviosidade em várias regiões cafeeiras. Aqui neste texto vou explanar sobre Patos de Minas MG (Cerrado Mineiro tradicional com clima quente porém adequado) Franca SP (Cafeicultura paulista tradicional e altitude “Alta” e clima ameno); João Pinheiro MG (Norte de Minas “fronteira cafeeira” com clima quente) e Lavras MG (Sul de Minas clima frio cafeicultura tradicional).
Os dados climáticos foram obtidos nas estações oficiais do INPE sendo:
Patos de Minas MG: 940 m de altitude nas coordenadas -185166 Latitude e -464333 Longitude;
Franca SP: 1.026 m de altitude nas coordenadas -2058 Latitude e -4736 Longitude;
João Pinheiro MG: 760.4 m de altitude nas coordenadas -17.7 Latitude e -4616 Longitude;
Lavras MG: 918 m nas coordenadas -2175 Latitude e -45 Longitude.
Vale ressaltar que segundo os trabalhos clássicos de A.P. Camargo do IAC antigo para cada 100 m de altitude variável acima ou abaixo ocorre aumento ou decréscimo de 07ºC para menos ou para mais respectivamente. Dessa forma em cada uma das regiões caso a lavoura esteja a 100 m de altitude inferior a de sua respectiva estação do INPE deve-se acrescer as temperaturas médias (dia e noite) anuais em 07ºC e vice-versa.
Primeiramente ressaltemos as principais premissas de climatologia para a cafeicultura com base na obra de Camargo A.P (várias citações):
Tabela 1. Intervalos de temperatura média anual (ºC) e as condições de aptidão térmica para cafeeiros arábica e robusta em cultivo convencional brasileiro sem irrigação. Adaptado de Alègre (1959); Camargo (1977); Coste (1989) e Carr (2001).
Condição de aptidão | Temperatura (ºC) | |
Arábica | Robusta | |
Inapto por frio | <17 | <20 |
Marginal por frio | 17-18 | 20-22 |
Apta | 18-22 (19 a 21 = adequada) | 22-26 |
Marginal por calor | 22-23 | >27 |
Inapta por calor | >23 | - |
*Extraído do livro Agrometeorologia de cafezais no Brasil (Pereira; Camargo; Camargo 2008).
**Déficits hídricos de 150 mm para mais são restritivos para o cafeeiro arábica principalmente quando se estendem próximos a floração.
***Temperaturas elevadas (>23ºC) podem causar má formação de primórdios florais e temperaturas baixas (<17ºC) não há período de repouso necessário para indução de gemas florais (não completa o ciclo fenológico). A planta vegeta e produz pouco. O pouco que produz tem ciclo extremamente tardio e coincide com a florada do ano seguinte (inconveniente e baixo aproveitamento).
Começando por Patos de Minas MG o que gostaria de salientar é que a quantidade total de chuvas entre os dois ciclos avaliados foi próxima (1.4104 mm e 1.4265 mm) porém ocorreram alterações em sua distribuição ao longo do ano como reduções em determinados meses e aumentos em outros. No ciclo mais recente (1999-2019) ocorreu a redução da quantidade de chuvas nos meses de agosto setembro outubro e novembro em relação ao período anterior (1980-1998) sendo eles meses fundamentais para o período de floração e início de expansão de chumbinhos. Em outubro por exemplo quando antigamente se chovia 148 mm hoje em dia chove somente 87 mm. Por outro lado ocorreu o aumento na quantidade de chuvas nos meses de março abril maio e junho chuva muitas vezes não necessárias pois era característico da região um período seco no inverno coincidindo com a colheita e o repouso vegetativo do cafeeiro. Fato este também condicionante a uma boa qualidade de bebida praticamente sem fermentações indesejáveis.
Uma observação importante se faz quando analisa-se a quantidade de chuva máxima obtida em cada mês. Historicamente com os dados do último ciclo (atual) em Patos de Minas MG as pluviosidades máximas nos meses de agosto setembro e outubro foram de somente 289 mm; 838 mm e 1348 mm. No ciclo anterior já foram registradas chuvas máximas de 899 mm em agosto; 2432 mm em setembro e 4248 mm em outubro.
As temperaturas médias tiveram um acréscimo de 02ºC entre o ciclo antigo e o novo valor pouco considerável a não ser pelo mês de outubro onde as temperaturas elevaram-se em 1ºC. Porém ao analisarmos as temperaturas máximas notamos aumentos em praticamente todos os meses do ano exceto nos meses de junho e agosto. Essas maiores temperaturas máximas notadamente nos meses de floração podem contribuir para perdas de produtividade acentuadas.
As florações na região de Patos de Minas vem ocorrendo mais tarde a partir de outubro dessa forma coincidem com períodos de temperatura mais elevada o que prejudica o pegamento floral. Detalhe para a temperatura máxima do meses de setembro e outubro foram 08ºC e 18 ºC respectivamente superiores ao período passado.
Essa ocorrência de floradas mais tardias em Patos de Minas MG não é caso isolado visto que na região do Cerrado Mineiro boa parte dos municípios tiveram floradas mais tardias por conta principalmente do atraso das chuvas e das condições favoráveis a ela. Vale ressaltar que isso ocorreu mesmo em lavouras irrigadas evidenciando a dependência das chuvas para a obtenção de floradas robustas. Um ponto extra a se falar sobre isso é o seguinte: Obviamente a ocorrência de floradas tardias em meses que as temperaturas são mais elevadas é pior para o cafeeiro. Porém existe mais um ponto a ser considerado; Quando se tem uma florada em um mês de elevada temperatura e os meses anteriores as temperaturas foram mais amenas os prejuízos não são tão severos. Ou seja mesmo que se em agosto/setembro as temperaturas fossem muito elevadas não haveria tamanho prejuízo visto que os meses anteriores sempre são mais frios. Agora quando a florada ocorre em um mês vindo de uma sequência de meses quentes o pegamento fica muito prejudicado. Tais informações foram obtidas na obra clássica de Mess com os estudos completos sobre o florescimento de Coffea Arabica L. e puderam ser vistos em lavouras por exemplo do estado de São Paulo na florada de 2019 com as primeiras floradas ocorridas em agosto e com pegamento excepcional.
Figura 1. Temperatura média nos períodos de 1980 a 2008 e 2008 a 2019 segmentada nos doze meses do ano Patos de Minas MG.
Figura 2. Temperatura máxima nos períodos de 1980 a 2008 e 2008 a 2019 segmentada nos doze meses do ano Patos de Minas MG.
Quando vamos para uma região mais quente tais como Norte de Minas Bahia Goiás e outros municípios abaixo da latitude 185º com altitudes inferiores a 900 m em que a irrigação é fator preponderante para que se haja cafeicultura devido aos elevados déficits hídricos temos o seguinte: As chuvas nessa localidade praticamente foram as mesmas entre os dois períodos variando somente 10 mm. O regime de chuvas é elevado a partir de novembro e se estende até o final de janeiro. Os meses de fevereiro e março chovem de forma regular e a partir daí ocorre redução das chuvas durante os seis ou sete meses seguintes. O longo período sem chuvas e/ou chuvas insuficientes faz com que a irrigação seja uma prática obrigatória para o cultivo do cafeeiro nesta localidade garantindo todo o período de desenvolvimento vegetativo e produção.
Como o solo é extremamente arenoso o armazenamento de água é pequeno muito diferente dos solos tradicionais para café mais argilosos devendo-se então tomar cuidado com este detalhe para realizar os projetos de irrigação visto que excedente hídrico dos períodos anteriores é menos aproveitado nessas condições requerendo regas mais frequentes. Falhas na irrigação e ou recomendações errôneas que acarretem em redução abrupta na capacidade de campo podem resultar na impossibilidade de reposição hídrica hábil dependendo do sistema de irrigação. As perdas de produtividade são severas quando isso ocorre antes ou durante as fases fenológicas chave já citadas anteriormente. Seria conveniente mediante tais alterações climáticas uma revisão dos projetos de irrigação notadamente na lamina de água aplicada utilizando os dados dos piores anos (déficits hídricos mais severos).
Figura 3. Precipitação nos períodos de 1980 a 1998 e 1999 a 2019 e sua respectiva diferença João Pinheiro MG.
O principal fator de estudo deste texto é de fato a temperatura. Aqui estamos analisando não somente a temperatura média como de costume mas também a temperatura máxima e mínima para tentar compreender o que está ocorrendo com nossos cafeeiros. Note que em todos os meses do ano houve aumento pronunciado das temperaturas médias entre os dois períodos analisados. Os aumentos mais intensos foram no meio do ano época que ocorrem as menores temperaturas afetando pouco o cafeeiro. Porém os aumentos menos expressivos em relação ao meio do ano ocorridos de agosto em diante realmente refletem em mudanças no clima que vão interferir no cafeeiro. Em setembro e outubro por exemplo as temperaturas médias chegaram a 25.2 e 26.1ºC muito acima do limiar máximo tolerável para o cafeeiro (22-23ºC) e com períodos do dia que atingem 35ºC. Após esses dois picos elas voltaram a se reduzir mas continuam elevadas refletindo em uma média anual de 244ºC (acima do tolerável). O aumento médio portanto foi de 09ºC entre um período e outro.
Figura 4. Temperatura média nos períodos de 1980 a 1998 e 1999 a 2019 e sua respectiva diferença João Pinheiro MG.
A umidade relativa do ar reduziu-se acentuadamente em todos os meses do ano. Houve uma redução média no ano de 74%. Houveram reduções de UR% acentuadas em setembro e outubro fato muito ruim pois coincidem com o período da pré floração e dependendo do ano de floração sendo as flores órgãos temporários que necessitam de umidade para o intumescimento dos botões.
Figura 5. Umidade relativa do ar nos períodos de 1980 a 1998 e 1999 a 2019 e sua respectiva diferença.
É difícil quantificar os efeitos negativos a produtividade decorrentes dos danos provocados pela elevada exposição solar visto que ocorrem de forma diferenciadas nas lavouras a depender do espaçamento cultivar idade da planta direcionamento de plantio manejo e sistema de irrigação. Além do que os efeitos ocorrem variavelmente e simultaneamente nas lavouras visto que as plantas apresentam muitas vezes florações juntamente com chumbinhos e chumbões além da presença constante da vegetação exposta ao sol. Porém alguns trabalhos foram realizados e mostram os efeitos danosos individuais dessas injúrias:
Notemos aqui que no direcionamento L/O (a favor da trajetória do sol) em que não há uma face mais exposta do que outra para o sol da tarde (forte) as produtividades foram semelhantes e na média foram maiores que nos demais direcionamentos. Nos demais lados no lado do sol da tarde houve redução de produtividade notadamente no sentido NL/OS sendo este o pior direcionamento de plantio que expões ao máximo este lado da planta ao excesso do sol. Dessa forma podemos ter uma ideia do que o efeito da temperatura pode significar para o cafeeiro em condições climáticas severas (redução de até 23 sacas/ha na média de quatro safras). Vale ressaltar que na época deste trabalho as temperaturas eram em média 2ºC inferiores nesta região ou seja hoje em dia os efeitos podem ser ainda mais acentuados.
Figura 6. Efeito na produtividade do cafeeiro decorrente da face de exposição solar em quatro direcionamentos de plantio em localidade quente (LEM Oeste da Bahia) na média de quatro safras. Fonte: Santinato R. (2002).
Problemas até mesmo em regiões tradicionais de altitude elevada:
Em Franca SP localidade de elevada altitude com clima muito adequado para o cafeeiro tivemos também aumentos pronunciados na temperatura. Aqui expus o quadro das temperaturas máximas. Note que os aumentos chegaram a até 13 e 15 ºC nos meses de setembro e outubro como já dito pertencentes aos meses comuns de ocorrência de floradas.
Figura 7. Temperatura máxima na região de Franca SP nos períodos de 1980 a 1998 e 1999 a 2019.
Ou seja apesar de na média anual estarmos ainda dentro do limite adequado de temperatura média (21.5 a 22.2ºC) existem meses em que as temperaturas ultrapassam bastante o ótimo e quando observado os dados de temperatura máxima conseguimos passar a entender o que realmente pode estar acontecendo.
Figura 8. Temperatura média na região de Franca SP nos períodos de 1980 a 1998 e 1999 a 2019.
Para finalizar vamos a Lavras MG localidade mais fria para fazer um comparativo com as demais regiões aqui explanadas. Em Lavras MG a média é amena para o cafeeiro com 210 ºC. No meio do ano a temperatura é baixa e chega a 170 ºC em junho/julho sendo elas temperaturas abaixo do ideal para o cafeeiro. O comparativo entre os dois períodos estudados mostra que nos últimos 20 anos Lavras teve um acréscimo na média temperatura de 06ºC com aumentos em praticamente todos os meses com destaque para os meses de abril outubro e dezembro com 10; 10 e 08ºC respectivamente.
Porém para essa localidade mesmo com os aumentos a temperatura ainda se encontra dentro do adequado ou seja sendo os efeitos negativos descritos para as outras localidades ocorridos porém com menor intensidade.
O aumento da temperatura nos meses de maio a julho foi algo até positivo notadamente em junho e julho por elevarem a temperatura antes muito baixas. Isto pode ser benéfico para o cafeeiro pois dentro da faixa adequada o crescimento e produção são superiores. Obviamente existe a necessidade em sua fase fenologia de um período mais frio porém 17ºC estava abaixo do frio adequado e a elevação desta temperatura é benéfica.
Os aumentos das temperaturas médias foram atribuídos aos aumentos das temperaturas máximas e mínimas ocorridas em praticamente todos os meses do ano com maior destaque para as temperaturas máximas.
De fato o ponto mais importante a ser discutido sobre este município é a redução acentuada na pluviosidade entre os dois períodos (180 mm a menos). As chuvas diminuíram em praticamente todos os meses exceto em janeiro com aumento de 119 mm. O mês de fevereiro foi o que apresentou as maiores reduções (716 mm a menos). A redução na quantidade de chuvas e ainda ela sendo no mês de fevereiro implica negativamente na produtividade do cafeeiro visto que durante esse mês os frutos podem estar em expansão e/ou granação dependendo da lavoura. Em lavouras com maturação mais tardias estaria na expansão e nas mais precoces na granação. De qualquer forma a restrição hídrica nessa fase promove redução do tamanho do grão e maior quantidade de frutos chochos. Também a redução e chuvas nos meses de setembro e outubro implicam em déficits para a floração do cafeeiro. Tudo isso levando a redução da produtividade.
A redução das chuvas e consequentemente o aumento dos déficits hídricos implica em maiores resultados produtivos nas lavouras irrigadas que vem crescendo nesses municípios tais como Varginha e Três Pontas MG que antes não utilizavam a prática. Basta ver quando os trabalhos de irrigação começaram a ser realizados com publicações que datam somente 20 anos e hoje apresentam inestimável validade por consequência desse aumento da necessidade de irrigação. Os resultados daquela época hoje são até mesmo potencializados.
Figura 9. Precipitação em Lavras MG nos períodos de 1980 a 1998 e 1999 a 2019.
Figura 10. Temperatura média para Lavras MG nos períodos de 1980 a 1998 e 1999 a 2019.
Diante do quadro exposto fazemos nossas recomendações para algumas situações com base nos resultados das pesquisas e de seus prognósticos de experiências em lavouras próprias e de consultoria. Quanto a irrigação devemos basear nossos projetos sempre nos anos de déficit hídrico mais acentuado na média histórica da localidade que se trabalha. Como visto no período mais recente os déficits são mais acentuados e portanto parte dos projetos deve ser revistos para atender a demanda desses períodos. Basta haver um ano em dez com um déficit acentuado acima da capacidade de reposição de seu sistema de irrigação que o prejuízo causado por isso suplanta o lucro dos demais anos dificultando a atividade do produtor. Também o fato de trabalhar com capacidade de campo muito baixa limiar é perigoso (próximos de 70% principalmente para gotejamento) notadamente em solos menos estruturados e com sistemas de gotejamento com baixa vazão pois em dias sequencias de temperaturas muito elevadas baixa UR% são suficientes para elevar a evapotranspiração a um ponto em que a compensação torna-se dificultosa ficando a planta com reposição insuficiente e persistente até a ocorrência das chuvas que como mostrei estão cada vez mais demorando para ocorrer de forma satisfatória (outubro em diante).
Com relação a temperatura infelizmente não temos a capacidade de controla-la de forma macro (em toda a lavoura) a não ser com técnicas de arborização. Porém podemos adotar medidas de manejo que minimizem os efeitos negativos das temperaturas com por exemplo a cobertura morta na entrelinha para minimizar a temperatura do solo e parte do microclima entre outras que mencionarei adiante.
A cobertura morta na entrelinha é fundamental na fase de formação do cafeeiro pois recobre a camada em que as raízes ficam “expostas” próximas a superfície do solo que facilmente a pleno sol atingem temperaturas que as destroem drasticamente. A cobertura morta pode ser feita com roçadas periódicas de vários tipos de plantas cultivadas na entrelinhas adubação verde (cover crop) ou até mesmo pelo próprio mato (com cuidado para a ploriferação de sementes indesejáveis) desde que sejam cortados anteriormente a emissão de novas sementes. A cobertura morta pode ser feita também por meio da aplicação de estercos compostos e outros materiais evitando a exposição solar. Quando a planta cresce e atinge determinado porte e há uma renovação substancial de sua folhagem a prática da cobertura morta pode ser até dispensada visto que o próprio cafeeiro promoverá a cobertura morta com suas partes constituintes. A quantidade de folhas cicladas do cafeeiro é de 5.000 a 7.000 kg/ha/ano para arábica e conillon (Matiello 2005) mais do que suficiente para promover o efeito “tampão” do solo exposto. O uso de mulchings permeáveis vem sendo estudados também porém os dados ainda são incipientes.
Pensando na parte aérea e na forma de reparação de alguns dos danos causados pela ação excessiva do sol têm-se a aplicação de açucares melaços e aminoácido. Tais insumos devem ser aplicados periodicamente até mesmo substituindo boa parte dos adjuvantes do mercado pois minimizam os efeitos danosos de alguns óleos a parte vegetativa do cafeeiro reduzem a transpiração e ainda fornecem nutrientes e obviamente aminoácidos para atuar na reconstrução de estruturas vegetativas degradadas e proteínas desnaturadas.
A adubação nitrogenada também tem a finalidade de atuar como uma medida protetiva redutora dos efeitos danosos da exposição solar. Ou seja doses um pouco acima das recomendadas são úteis também para esta finalidade. Muitos trabalhos da literatura relatam maior vigor das plantas corretamente adubadas com N e consequentemente menores efeitos de escaldadura visto que este atua na reconstrução de estruturas vegetativas degradadas pela exposição excessiva ao sol. Plantas com menores reservas de carboidratos em consequência de adubações reduzidas die-back depauperamentos apresentam quadro mais severo de escaldadura e depauperamento. Também a adubação com Mg apresenta efeito benéfico para proteção das estruturas vegetativas contra tais injúrias. E este nutriente em muitos casos aplicado em pequenas quantidades e/ou em desequilíbrio com as demais bases do solo merece maior atenção nas adubações também por esse motivo.
Por fim um case de sucesso das nossas últimas pesquisas a aplicação do chamado “protetor solar” sendo um filme de partículas pulverizado nas folhas do cafeeiro com a finalidade de recobri-lo reduzindo a exposição solar das folhas notadamente das folhas mais externas. Dependendo de sua formulação e patente mesmo após fortes chuvas o filme de partículas permanece no cafeeiro em decorrência de substancias adicionadas que não são facilmente laváveis e por conta disto apresentam resultados satisfatórios até mesmo no verão. Obviamente conforme a planta vai crescendo e emitindo novas folhas ele deve ser reaplicado para que seu efeito replique nas folhas que ainda não eram existentes nas primeiras aplicações. Os resultados são bastante pronunciados e facilmente detectados com a redução da temperatura foliar em até 20ºC em relação a folhas não tratadas. Tal fato aliado a demais vantagens faz com que o cafeeiro se desenvolva melhor com redução abrupta nos sintomas listados no início deste texto.
Dr. Felipe Santinato – Pesquisador e Consultor da Santinato Cafés; Pós doutorando IAC Campinas SP.
Engenheiro Agrônomo formado na UNESP Jaboticabal (05/08/2013) Mestre em Produção Vegetal pela UFV Rio Paranaíba (22/07/2014) Doutor em Produção Vegetal pela UNESP Jaboticabal (05/12/2016) trabalhando principalmente com Nutrição de plantas Colheita mecanizada do café e Agricultura de Precisão. Publicou dois livros 39 Artigos Científicos Nacionais e Internacionais 133 Trabalhos publicados na área cinco Capítulos de Livros nove Boletins Técnicos ministrou cerca de 69 palestras e treinamentos para agrônomos consultores e cafeicultores em todo território cafeeiro. Atualmente é aluno de Pós Doutorado no Instituto Agronômico de Campinas (IAC) aonde realiza pesquisas objetivando aumentar a eficiência na utilização dos nutrientes na cafeicultura entendimento e redução da bienalidade produtiva e sustentabilidade do processo de produção de café. Também lidera um amplo projeto interinstitucional sobre resistência a seca bicho mineiro nematoides e produtividade com novas variedades em áreas irrigadas e de sequeiro em quatro localidades do Cerrado Mineiro e Goiano. Produz café em São Paulo e Minas Gerais presta consultoria em Fazendas e coordena cinco Campos Experimentais (São João da Boa Vista SP; Patos de Minas MG; Rio Paranaíba MG; Araxá MG e João Pinheiro MG).