Santinato & Santinato Cafés
  • 30/07/2020

SUBSOLAGEM OU ESCARIFICAÇÃO? MITIGAÇÃO DE UM PROCESSO EXTREMAMENTE BENÉFICO PARA O CAFEEIRO - Está chegando a hora (agosto/setembro)

Publicado em: 24/07/2020

SANTINATO F. Engenheiro Agrônomo Doutor em Agronomia Pós Doutorando do Centro de Solos do IAC e Coordenador da Santinato Cafés Ltda.; Campinas SP.

SILVA R.P. Prof. Dr. UNESP Jaboticabal SP;

SANTINATO R. Engenheiro Agrônomo Pesquisador e Consultor Santinato Cafés Ltda. Campinas SP;

GONÇALVES V.A. Engenheiro Agrônomo Mestre em Agronomia Gerente de Pesquisa da Santinato Cafés Ltda Rio Paranaíba MG.

            Quando se fala na necessidade de subsolagem em determinada situação os cafeicultores mais tradicionais logo protestam contra a recomendação. A prática é bem conhecida apresenta uma série de efeitos benéficos porém é pouco utilizada exceto no Cerrado aonde a técnica é mais difundida. Isto pois comumente é realizada rompendo camadas muito profundas utilizando duas a quatro hastes em profundidades de até 50 cm o que acarreta em intenso revolvimento do solo e consequentemente na formação de torrões de porte grande superiores a diâmetros de 20 cm.

Tais torrões quando não bem manejados através de uma gradagem leve ou ainda uma posterior trinchagem dependendo do tipo do solo tornam-se um grande inconveniente para as operações realizadas na lavoura notadamente o sopramento/enleiramento e o recolhimento mecanizado. Solos recém subsolados que não tiveram o adequado preparo posterior do solo dificultam ou impossibilitam dependendo do tipo de solo a colheita de chão como aponta o trabalho de Tavares et al. (2015). Visto que em média 10% a 20% do café colhido é oriundo das colheitas de café de chão (recolhimento) (SANTINATO F. et al. 2015) dificultar o processo é uma prática incabível devendo o solo ser corretamente manejado pelas operações niveladoras correspondentes.

            Também do ponto de vista econômico e prático o elevado consumo de diesel da operação de subsolagem e a demanda de tempo operacional das demais operações contribuem para que o cafeicultor num primeiro momento realmente seja contrário às recomendações de subsolagem. Porém um grande erro conceitual do ponto de vista acadêmico com relação a máquinas e mecanização agrícola e outro do ponto de vista fisiológico são cometidos quando se discute subsolagem do cafeeiro.

            Conceitualmente subsolagem é uma operação realizada com a finalidade de romper a camada compactada a uma profundidade superior a 45 cm (MIALHE 1974). Para o rompimento de camadas de profundidades inferiores a esta se dá o nome de escarificação. A escarificação por sua vez demanda uma potência muito menor de trator podendo ser praticada com um trator de 50 cv do tipo cafeeiro pois quando se utiliza nas lavouras de café tem a intensão de romper somente uma crosta compactada visto que as subsolagens “pesadas” devem ser feitas anteriormente ao plantio do cafeeiro. Diferentemente de cultivos como cana de açúcar a compactação dos solos em lavouras cafeeiras não é profunda sendo na maioria dos casos superficial e facilmente solucionada com apenas uma escarificação “ leve”. Note na Figura 1 a diferença de intensidade de revolvimento de terra e formação de torrões entre a subsolagem tradicional e a escarificação leve.

Figura 1. Diferença de intensidade de revolvimento do solo entre subsolagem (esquerda) e escarificação (direita).

Fonte: Estação Experimental Santinato Cafés SP 1 São João da Boa Vista SP Argissolo extremamente pesado (esquerda) e Fazenda de cliente em João Pinheiro MG solo arenoso (direita).

            Na escarificação apenas a passagem do rodado do trator em qualquer outra operação corriqueira como uma pulverização por exemplo é suficiente para desestruturar os pequenos blocos formados pela escarificação não havendo a demanda de operações casadas auxiliares do contrário a subsolagem.

            Com relação ao ponto de vista fisiológico o erro cometido é com relação a real necessidade de subsolagem visto que a escarificação é suficiente para solucionar a maior parte das situações em vista de que as raízes ativas absorventes de nutrientes do cafeeiro se concentram com predomínio nas camadas mais superficiais não havendo a necessidade de se romper camadas tão profundas na maioria dos casos. As raízes que buscam água em maiores profundidades não são afetadas pela compactação que ocorre anualmente nas lavouras pois como já dito o peso dos maquinários que transitam nas lavouras cafeeiras é “leve” quando comparado à outros cultivos tais como cana de açúcar. Por isso a grande importância de se proceder a subsolagem cruzada e profunda no preparo do solo inicial para plantios de café independentemente se o solo é argiloso ou arenoso pois o arejamento facilita a expansão das raízes que buscam água notadamente nos períodos mais secos do ano. Obviamente existem casos em que a subsolagem pesada deve ser feita como por exemplo em lavouras muito antigas que nunca passaram por tais processos.

            O sistema radicular do cafeeiro foi estudado amplamente no Brasil e em outros países (FRANCO & INFORZATO 1946; SAIZ DEL RIO 1961; HUXLEY et al. 1974; IAEA 1975) e todos eles corroboram com relação ao sistema radicular efetivo ser superficial estando ele (90%) presente à no máximo 30 cm de profundidade e à 60 cm de distância do tronco. Recentemente um estudo de Santinato et al. (2018) estratificaram o sistema radicular nas cultivares Catuaí Vermelho IAC 144 Apoatã IAC 2258 e Acauã Novo cultivados em solo de Cerrado intensamente manejados em sistema irrigado via gotejamento. Sabe-se que a cafeicultura vem se expandido nesse tipo de manejo (tecnológico) e um estudo de estratificação nessas condições era necessário visto que a maior parte dos estudos fora realizado em cafeeiros cultivados em sequeiro em espaçamentos hoje não mais praticados. Os dados revelaram que a presença de camadas compactadas no rodado do trator formaram crostas que chegaram a reduzir em 66% a área útil infiltrável de água na lavoura e em 256% a capacidade de armazenamento de água da área ocupada pelas raízes ativas do cafeeiro.

Os dados impressionam e alertam na necessidade de se proceder medidas corretivas como a escarificação e/ou o plantio desde que desde o início da formação da lavoura de espécies chamadas “subsoladores naturais” como o Nabo-forrageiro (Raphanus sativus L) entre outros. O plantio dessas espécies em lavouras já muito compactadas não tem muito resultados para a finalidade de descompactação. As finalidades são outras.

A seguir têm-se uma representação gráfica (Figura 2) da estratificação do sistema radicular do cafeeiro até uma profundidade de 15 m e uma distância do tronco de 15 m. Nele foi possível notar o predomínio do sistema radicular nas camadas superficiais bem como a redução do sistema radicular a medida que afastou-se do tronco com grande redução na faixa de rodagem do trator (a partir dos 12 m de distância do tronco).

Distância do tronco (cm)

Figura 2. Representação gráfica do volume de raiz/volume de solo (cm3/dm3) de três cultivares de cafeeiro conduzidos em Patos de Minas MG em lavoura irrigada via gotejamento de 5 anos de idade. Cada gráfico representa 10 cm de profundidade e o eixo X representa a distância em relação ao tronco (cm). Fonte:

Santinato F. et al. (2018).

            Note na Figura 3 que o sistema radicular do cafeeiro é normal até aproximar-se da camada compactada presente a partir dos 12 m de distância do tronco justamente aonde ocorre o transito das máquinas agrícolas. Para a foto lavou-se a superfície do cafeeiro com água pressurizada e limpou-se as folhas ali presentes com o auxílio de um escovão.

Figura 3. Camada compactada (crosta) formada pelo rodado do trator a uma distância de 12 m do tronco do café.

Fonte: Santinato F. et al. (2018).

            A realização da pratica da escarificação evita a formação de camadas compactadas deste tipo aumentando principalmente a área de percolação de água e a área de reserva de água no solo facilitando não só o aproveitamento de água mas também dos nutrientes e microrganismo. Vale ressaltar que essa compactação não ocorre somente em solos intensamente manejados como os de Cerrado mas também nos solos pouco manejados pois é um efeito também natural através de percolação e posterior sedimentação de argilas.

            Recomenda-se a prática desde sua implantação realizando-a de seis em seis meses ou pelo menos uma vez por ano até a lavoura “formar-se” (primeira safra aos 30 meses). Isso pois no início da formação da lavoura o dossel da planta é bastante reduzido de forma que as faixas de adubação ficam muito expostas ao sol e são laváveis formando as crostas o que reduz o aproveitamento de nutrientes. A escarificação nessa situação pode ser vista na Figura 4. Os benefícios são enormes quando se faz a operação com frequência e os resultados são obtidos a curto e também a longo prazo.

A longo prazo pelo seguinte: O cafeeiro vai ocupando uma área na linha de plantio a medida que se desenvolve. Com isso o rodado do trator é obrigado a ir se afastando do caule até que a lavoura se forma e ele mantem uma distância mais ou menos fixa de 12 a 15 m de distância do tronco a depender do espaçamento. Ocorre que até que a lavoura se forme e essa distância se padronize ocorreram a formação de diversos rodados dos quais também sofrem compactação gradativa. Quando não se faz a escarificação nesses estágios torna-se muito difícil romper as camadas compactadas desses rodados anteriores visto que a vegetação do cafeeiro ocupou novos espaços. Um exemplo de lavoura sempre escarificada e altamente produtiva pode ser visto na Figura 5 sendo a mesma da Figura 4 porém mais velha.

Figura 4. Lavoura jovem com seis meses de idade recém submetida a uma escarificação leve utilizada para romper a formação de crostas na faixa de adubação do cafeeiro.

Fonte: Estação Experimental Santinato Cafés Cerrado 1 Rio Paranaíba MG.

Figura 5. Lavoura de 2 anos recém submetida a uma escarificação leve utilizada para romper a formação de crostas na faixa de adubação do cafeeiro. (A mesma lavoura da Figura 4 porém mais velha).

Fonte: Estação Experimental Santinato Cafés Cerrado 1 Rio Paranaíba MG.

Um ponto muito importante de ser abordado é com relação ao risco de morte de raízes do cafeeiro quando se procede tal operação. Geralmente o cafeicultor tem receio de fazer a escarificação notadamente em anos de carga elevada por conta da morte de raízes. Diante disto Santinato F. et al. (2019) instalaram um experimento na mesma área do trabalho que fizeram a estratificação do sistema radicular e novamente avaliaram a distribuição do sistema radicular mas dessa vez com duas variáveis ausência e presença de escarificação.

            Os pesquisadores obtiveram que a pratica da escarificação além de não reduzir o sistema radicular como era a hipótese do produtor promoveu crescimento do sistema radicular principalmente nas camadas que estavam anteriormente compactadas e tinham o sistema radicular reduzido (Tabela 1). Os resultados foram obtidos 270 dias depois da escarificação. Espera-se resultados melhores ainda no ano seguinte (2020) em que novamente serão abertas novas trincheiras.

            Nas camadas de 91 a 120 cm e de 121 a 150 cm a escarificação dobrou a matéria seca das raízes em relação a testemunha. O sistema radicular que estava concentrado em 459% na camada de 0 a 10 cm na testemunha reduziu-se para 334% devido a sua maior distribuição (aprofundamento) apresentando 221% de distribuição na camada de 21 a 30 cm contra somente 126% no tratamento com a testemunha. O maior aprofundamento das raízes também foi verificado na camada de 41 a 50 cm onde a testemunha continha 81% de distribuição contra 192% do tratamento com a escarificação.

Tabela 1. Matéria seca do sistema radicular (radicelas com diâmetro inferior a 25 mm) estratificada em camadas de 10 cm x 30 cm x 20 cm.

Profundidade 0 a 30 31 a 60 61 a 90 91 a 120 121 a 150 Somatório PD (%) PDA (%)
cm Ausência de escarificação
0 a 10 6.3 2.5 1.5 0.5 0.4 11.2 45.9 35.9
11 a 20 0.8 3.8 1.3 0.5 0.0 6.4 26.1 78.1
21 a 30 2.0 0.5 0.5 0.1 0.0 3.1 12.6 88
31 a 40 1.7 0.1 0.0 0.0 0.0 1.8 7.3 93.7
41 a 50 0.6 1.3 0.0 0.0 0.0 2.0 8.1 100
Somatório 11.4 8.3 3.4 1.0 0.4 24.4    
PD (%) 46.7 33.9 13.7 4.2 1.4 100.0    
PDA (%) 58.2 84.8 95.6 98.9 100.0      
  Presença de escarificação
0 a 10 5.0 2.5 1.0 1.0 1.3 10.8 33.4 33.4
11 a 20 0.5 3.3 0.7 0.8 0.1 5.4 16.7 50.2
21 a 30 0.5 4.3 1.8 0.5 0.0 7.2 22.1 72.3
31 a 40 0.3 1.7 0.7 0.1 0.0 2.8 8.5 80.8
41 a 50 0.3 4.2 1.7 0.2 0.0 6.2 19.2 100
Somatório 6.6 16.0 5.8 2.6 1.4 32.4    
PD (%) 20.3 49.4 18.0 7.9 4.4 100    
PDA (%) 20.3 69.7 87.7 95.6 100      

PD: Porcentagem de distribuição de raízes no perfil do solo a cada camada.

PDA: Porcentagem de distribuição de raízes no perfil do solo acumulada do total a cada camada.

Fonte: Santinato F. et al. (2019).

            Ainda sobre a realização da prática deve-se proceder a escarificação a uma profundidade de somente 15 a 25 cm utilizando de preferência escarificadores que tenham a capacidade de adentrar na copa dos cafeeiros rompendo camadas internas ao dossel. Como precaução deve-se evitar o contato com os tubos gotejadores para evitar que o escarificador os desaloje e crie inconvenientes no sistema de irrigação. Com relação a época deve ser feito após todas as operações de colheita e recolhimento antes ou depois da aplicação da calagem palha entre outras práticas de adubação do solo ficando em média entre agosto e outubro.

Referências:

FRANCO C.M & INFORZATO R. O sistema radicular do cafeeiro nos principais tipos de solo do Estado de São Paulo. Bragantia. Campinas 6:443-78 1946.

HUXLEY P.A.; PATEL R.Z.; KABAARA A.M.; MITCHELL H.W. 1974. Tracer studies with  32P on the distribuition of functional roots of Arabica coffee in Kenya. Ann. Appl. Biol. 77 159-180.

IAEA. 1975. Root Activity Patterns of some Tree Crops. Technical Report Series No 170 International Atomic Energy Agency Vienna Austria 154 pp.

INFORZATO R. & JUNQUEIRA A. Estudo comparativo do sistema radicular dos cafeeiros bourbom amarelo e mundo novo. Bragantia. V.22 n.59 1963

MIALHE L. G. Manual de mecanização agrícola. São Paulo: Agronômica Ceres 1974. 297 p.

SAIZ DEL RIO J.F.; FERNANDEZ C.E.; BELLAVITA O. 1961. Distribuition of absorbing capacity of coffee roots determined by radioactive tracers. Am. Spc. Hort. Sci. 77 240-244.

SANTINATO F. et al. IMPACTO DA SUBSOLAGEM NAS RAIZES DO CAFEEIRO A MÉDIO PRAZO (um ano após). In. Congresso Brasileiro de Pesquisas Cafeeiras 45 Poços de Caldas 2019.

SANTINATO F. et al. SISTEMA RADICULAR DO CAFEEIRO EM LAVOURAS IRRIGADAS MECANIZADAS DAS CULTIVARES CATUAÍ ACAUÃ NOVO E APOATÃ. In Congresso Brasileiro de Pesquisas Cafeeiras 44 Franca 2018.

SANTINATO F.; RUAS R.A.A.; SILVA R.P.; CARVALHO FILHO A.; SANTINATO R. Análise econômica da colheita mecanizada do café utilizando repetidas operações da colhedora. Coffee Science v. 10 n.4 2015.

TAVARES T.O. et al. Qualidade do recolhimento mecanizado do café. Coffee Science Lavras v.10 n.4 p.455 – 463 2015.

Dr. Felipe Santinato – Pesquisador e Consultor da Santinato Cafés; Pós doutorando IAC Campinas SP.

Engenheiro Agrônomo formado na UNESP Jaboticabal (05/08/2013) Mestre em Produção Vegetal pela UFV Rio Paranaíba (22/07/2014) Doutor em Produção Vegetal pela UNESP Jaboticabal (05/12/2016) trabalhando principalmente com Nutrição de plantas Colheita mecanizada do café e Agricultura de Precisão. Publicou dois livros 39 Artigos Científicos Nacionais e Internacionais 133 Trabalhos publicados na área cinco Capítulos de Livros nove Boletins Técnicos ministrou 69 palestras e treinamentos para agrônomos consultores e cafeicultores em todo território cafeeiro. Atualmente é aluno de Pós Doutorado no Instituto Agronômico de Campinas (IAC) aonde realiza pesquisas objetivando aumentar a eficiência na utilização dos nutrientes na cafeicultura entendimento e redução da bienalidade produtiva e sustentabilidade do processo de produção de café. Também lidera um amplo projeto interinstitucional sobre resistência a seca bicho mineiro nematoides e produtividade com novas variedades em áreas irrigadas e de sequeiro em seis localidades do Cerrado Mineiro e Goiano e Planalto da Bahia. Produz café em São Paulo e Minas Gerais presta consultoria em Fazendas e coordena  cinco Campos Experimentais (São João da Boa Vista SP; Patos de Minas MG; Rio Paranaíba MG; Araxá MG e João Pinheiro MG).

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